Como políticas de emprego e renda podem impactar a saúde mental das mulheres?

Por Maria Fernanda Resende Quartiero* e Sônia Hess**
Apesar dos gradativos avanços observados nas últimas décadas para a inclusão de mulheres no mercado de trabalho brasileiro, as desigualdades de gênero ainda persistem e afetam a saúde mental das mulheres, que seguem ganhando menos que os homens nas mesmas posições e também têm menor representação em cargos de liderança. Fora do ambiente formal de trabalho, o gênero tende a ser um fator ainda mais influente para determinar a carga de tarefas domésticas: as mulheres desempenham uma carga de até 11 horas a mais por semana com o trabalho doméstico e de cuidados não remunerados em comparação aos homens.
Mas, como essas desigualdades do mercado de trabalho e a sobrecarga do trabalho doméstico e não remunerado estão influenciando a saúde mental das mulheres? A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta emprego e renda como parte dos determinantes sociais da saúde. Em outras palavras, o emprego e a renda de um indivíduo são fatores não médicos que podem influenciar o resultado da saúde ao longo de sua vida. Além disso, dados da última edição do Panorama da Saúde Mental, lançado pelo Instituto Cactus, corroboram o fato de haver uma associação – que pode ser causa ou consequência – entre emprego, renda e saúde mental, evidenciada em diferentes aspectos.
No caso do emprego, funções sociais do trabalho, como realizar tarefas, ter um convívio social, estabelecer uma rotina e a sensação de produtividade, podem afetar positivamente a saúde mental de um indivíduo. No que tange ao aspecto financeiro, a renda possibilita o acesso a serviços e bens (educação, moradia, alimentação, entre outros) que também impactam esses determinantes sociais. Já sob a perspectiva do acolhimento, a renda possibilita ainda a obtenção de serviços de cuidado, como, por exemplo, consultas a especialistas e compra de medicamentos, se necessário.
São diversos os estudos que apontam as disparidades de gênero observadas no mercado de trabalho como estressores psicossociais. As desigualdades no mercado de trabalho podem minar a autoestima e senso de propósito inerente à função social do emprego, além de gerar maior preocupação financeira, o que aumenta os riscos de ansiedade e depressão. A sobrecarga do trabalho doméstico também afeta a saúde mental das mulheres na medida em que aumenta a sensação de cansaço, estresse e limita o tempo disponível para atividades que promovam o cuidado com a saúde mental (imagem abaixo: dados do Scimago Institutions Rankings).
Políticas de equidade de gênero como aliadas da saúde mental das mulheres
Nesse sentido, políticas públicas de promoção da equidade de gênero no mercado de trabalho, de geração de renda e empoderamento financeiro feminino têm potencial disruptivo. Alguns países, visando assegurar e expandir os direitos das mulheres, implementaram algumas boas iniciativas. Como exemplo, temos o PAR-Impulsa, do Chile, que subsidia a digitalização de pequenos e médios negócios liderados por mulheres; ou, ainda, o projeto Africare Empowerment, do Zimbábue, que visa desconstruir as noções de que o trabalho do cuidado é algo exclusivo de mulheres, ajudando a reduzir a sobrecarga com a jornada dupla e aumentando o contingente de cuidadores.
Essas políticas têm como objetivo endereçar alguns dos fatores estruturais para a equidade de gênero no mercado de trabalho. Como consequência, tais ações tendem a impactar positivamente a saúde mental das mulheres. No Brasil, existem iniciativas públicas e privadas importantes, mas ainda temos espaço para avançar. O Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça está em sua 7ª edição e fomenta práticas de equidade de gênero e raça na cultura organizacional de médias e grandes empresas, com foco nas áreas de gestão e recursos humanos. A Estratégia Nacional de Empreendedorismo Feminino foi lançada pelo Governo Federal em novembro de 2023 com o objetivo de apoiar mulheres que desejam investir em seu próprio negócio, gerando oportunidades, capacitação, créditos especiais, apoio jurídico, entre outras medidas de incentivo ao empreendedorismo. Já na iniciativa privada, temos o Fundo Dona de Mim, iniciativa do Grupo Mulheres do Brasil que tem como propósito impulsionar o negócio de microempreendedoras individuais (MEI) e empreendedoras de comunidades.
O relatório Caminhos em Saúde Mental, também realizado pelo Instituto Cactus, aponta para a necessidade da construção e/ou fortalecimento de políticas que visem garantir os direitos trabalhistas das mulheres, trazendo a urgência de discutir mecanismos e equipamentos sociais para o reconhecimento do valor do trabalho não remunerado e formas de minimizar a sobrecarga das mulheres. O estudo fala ainda sobre a importância do fomento a programas de capacitação profissional e empreendedorismo feminino para dar maior independência financeira às mulheres.
Por último, mas não menos importante, há um ponto central e ainda negligenciado nas políticas de equidade de gênero para emprego e renda que precisa ser endereçado: a saúde mental com intencionalidade. Essa precisa se tornar uma lente obrigatória em qualquer política pública do tema, seja no desenho, na implementação ou na avaliação. Isso possibilitará a construção de evidências mais consistentes, ajustar políticas e programas já existentes e, como consequência, gerar efeitos mais positivos e intencionais na saúde mental das mulheres.