Setembro amarelo: prevenção em saúde mental é o caminho para não chegar ao extremo deste problema

por Instituto Cactus

01 de setembro de 2021

8 min de leitura

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Setembro chegou e com ele virá uma enxurrada de conteúdos sobre prevenção ao suicídio, como já é tradição. A campanha de conscientização conhecida como “setembro amarelo” faz alusão ao Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, comemorado em 10 de setembro, e é extremamente importante para as estratégias de prevenção em saúde mental, assim como o “outubro rosa” exerce um importante papel de conscientizar sobre a saúde das mulheres.

Mas, frente a um problema tão grave como o suicídio, precisamos de mais do que um mês de conscientização, temos que trabalhar continuamente para qualificar nosso entendimento sobre saúde mental de forma geral e sobre o que é, e como prevenir os adoecimentos mentais  além de promover a saúde. Suicídio é a manifestação extrema de um grave quadro em saúde mental, é o momento em que o sofrimento psíquico se torna tão insuportável que parece não haver mais saídas, situação muitas vezes agravada pela falta de suporte na rede. Para evitar que isso aconteça, temos que atuar muito antes e de forma consistente e articulada.

Nesse sentido, um dos grandes desafios de prevenir a saúde mental é o diagnóstico. Apesar do senso comum acreditar que adoecimentos mentais acometem uma pequena parte da população, a maioria das pessoas que apresentam algum quadro de transtorno mental já apresentaram algum problema diagnosticável. O que significa que poderiam ter sido tratadas com antecedência e evitado o quadro e/ou o seu agravamento. Na prática, existe uma subnotificação nos diagnósticos já que a maioria das pessoas só buscam ajuda quando o adoecimento já se agravou.

Essa cultura de negligência nos diagnósticos e de falta de tratamentos adequados muitas vezes é resultado de uma falta de compreensão da saúde mental em toda sua complexidade, seja pela falta de informações qualificadas, estigma, negligência das interseccionalidades do tema e também pela predominância de uma perspectiva que prioriza o adoecimento e não os cuidados preventivos. Essas são algumas das razões que fazem com que nossa sociedade culturalmente ache que os sintomas psicológicos são menos importantes que os físicos e, por isso, temos maior dificuldade para descrevê-los.

Estigmas em saúde mental

Ninguém chega a um nível de sofrimento psíquico tão extremo como o suicídio sem passar por vários estágios de adoecimento anteriores, que vão progredindo até essa situação limite. Uma das razões para isso é o estigma que ainda persiste sobre as questões de saúde mental. Não é nenhum exagero dizer que não damos a atenção devida para nosso sofrimento psicológico, nem enquanto indivíduos, nem enquanto sociedade, e o pensamento de que “doença mental é bobagem”, “coisa de gente desocupada” ou “de pessoas fracas” e outros clichês conhecidos, pode agravar o quadro das pessoas adoecidas, impedi-las de buscar cuidado e dificultar estratégias de promoção de saúde mental.

Se estamos acostumados a procurar ajuda profissional quando temos uma perna quebrada, por exemplo, por que a ideia de procurar ajuda psicológica para tratar nossos sofrimentos e adoecimentos psíquicos pode ser tão ultrajante para alguns? Precisamos construir uma cultura de prevenção em saúde mental em que seja tão razoável procurar ferramentas e recursos que possam olhar e cuidar da saúde mental com antecedência e como parte integrante das nossas vidas, inclusive levando em conta possíveis predisposições, assim como fazemos com outras questões. Com isso, podemos trabalhar em espectros de promoção de saúde e também de prevenção.

Pensar em predisposições a adoecimentos mentais nos leva a outra questão importante: não se trata apenas de propensão genética, saúde mental não é apenas uma dimensão individual, dependente exclusivamente de fatores biológicos e psíquicos, ela é também resultado da complexa interação entre aspectos individuais e as condições de vida das pessoas. Nossa saúde integral, ou seja, física e mental, é influenciada pelo acesso a serviços de saúde, educação, emprego, serviços sociais e de justiça, assim como é atravessada por violências e discriminação. Por isso, para prevenir em saúde mental e, consequentemente, prevenir o suicídio, precisamos pensar também em outros determinantes sociais, como desigualdade socioeconômica e experiências pregressas de violência e  exclusão.

Exercitando olhares segmentados: alguns dados gerais, sobre mulheres e adolescentes

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 78% das mortes por suicídio localizam-se em países de baixa e média renda. Dados do nosso levantamento, Caminhos em Saúde Mental, apontam que 65 mil pessoas se suicidam por ano nas Américas. No Brasil, entre 1997 e 2015, foram notificados mais de 164 mil suicídios entre pessoas acima de 15 anos e estudos recentes apontam que as maiores taxas de crescimento de suicídios estão entre mulheres e nas regiões nordeste e norte, além de haver alta ocorrência entre indígenas.

Precisamos ter um olhar macro para entender o caminho que nos leva até esses dados tão preocupantes, que são considerados métricas para o alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3 para a saúde mental. Mas precisamos ir além deles e exercitar olhares segmentados para interpretá-los, sendo  possível perceber alguns públicos prioritários e contribuir para a construção de práticas e intervenções mais efetivas. Quando focamos nos dados de saúde mental das mulheres, sabemos que, apesar de o suicídio consumado ter maior ocorrência entre homens, as tentativas de suicídio são maiores entre mulheres. Globalmente, o suicídio de mulheres representa  1,5% de todas as mortes globais, sendo a segunda causa mais frequente em jovens de 15 a 29 anos.

Já quando olhamos para adolescentes, reforçamos novamente a necessidade do olhar preventivo. Até 50% das condições de saúde mental começam até os 14 anos de idade e afetam 3 a cada 4 pessoas até os 24 anos. Segundo a OMS, suicídio é segunda causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos e, entre jovens de 20 a 24 anos, o suicídio é a terceira causa de mortalidade, uma constatação alarmante por se tratar das nossas futuras gerações.

Estratégias de prevenção

Todos esses dados e interpretações nos levam a compreensão de que para prevenir o suicídio o assunto central não deve ser apenas o suicídio. Em âmbito individual, sempre é preciso avaliar caso a caso para entender as particularidades de cada adoecimento e as melhores intervenções. Mas, independente das especificidades, em âmbito coletivo, o cuidado preventivo em saúde mental significa proporcionar espaços de acolhimento e segurança para que pessoas em crise recebam a ajuda necessária e não cheguemm a situações extrema como o  suicídio além de fortalecer os sistemas de saúde e acesso à informação qualificada sobre o tema.

No Instituto Cactus, atuamos para a promoção e a prevenção da saúde mental de forma ampla, o que significa prevenir não só o suicídio, mas o agravamento de condições e o cuidado com a saúde mental de uma forma integral. Para isso, nossa proposta é “ampliar a lente” e considerar a prevenção para outros fatores e comportamentos de risco, como níveis de depressão, ansiedade, esquizofrenia e uso de substâncias, assim como trabalhar outros marcadores específicos de prevenção, como prevenção à automutilação, que permitiria visualizar o problema antes de que os quadros se agravem. Mas, além disso, olhar com atenção para todos os estágios que antecedem o suicídio nos permite traçar soluções a longo prazo para não só oferecer ferramentas e técnicas de alívio e contenção de crises e adoecimentos, mas também possibilitar o exercício de uma vida ativa em comunidade. Não chegar “ao extremo” não basta, precisamos de uma nova ética de cuidados em saúde mental que seja capaz de proporcionar modos de vida mais saudáveis para todas as pessoas em sofrimento.

Apenas para ilustrar iniciativas que podem nos apoiar nesse sentido, como uma campanha nacional da Suécia que divulgou mensagens simples, voltadas para promoção de fatores de proteção, como a convivência familiar saudável, a partir de outdoors espalhados pela cidade com a chamada: “Jante com a sua família”. O projeto teve como objetivo estimular a convivência familiar, sem explicitar diretamente a relação com a prevenção ao suicídio e apresentou resultados positivos nos indicadores nacionais de acompanhamento do suicídio. No Brasil, temos o projeto Escola Vai para Casa, voltado para crianças e adolescentes com problemas de vulnerabilidade social, que tinha como objetivo estreitar os laços com as famílias para melhorar a aprendizagem e engajamento nas aulas. Reconhecendo outras necessidades das famílias, o projeto expandiu para áreas além da educação, criando assim uma rede de proteção para essas famílias.

E há também uma necessidade urgente de a capacitação e a qualificação de profissionais de diversas áreas, em todos os setores sociais, para contemplar temáticas de saúde mental e aprofundar as particularidades de cada público. A educação permanente dos servidores públicos e outros profissionais, especialmente os de “porta de entrada” e comunicadores, contribui para combater estigmas e as violências dentro do próprio sistema e amplia o acolhimento e a efetividade das intervenções em saúde mental.

Nesse sentido, nosso primeiro esforço foi a publicação do levantamento Caminhos em Saúde Mental, uma ação para disseminar informações de forma didática para aprofundar e institucionalizar o debate sobre saúde mental. Com um material qualificado e humanizado que aponta alguns caminhos para abordar e atuar em saúde mental, marcamos o início de nossas contribuições para a construção de novas práticas de cuidado em saúde mental no Brasil, de forma contínua e permanente, sem nos restringir ao setembro amarelo. Saúde mental é assunto pra toda a vida, todos os dias.

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