8 dados que você precisa saber sobre saúde mental no Brasil

por Instituto Cactus

08 de outubro de 2021

16 min de leitura

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Em 10 de outubro comemora-se o Dia Mundial da Saúde Mental, uma data instituída em 1992 pela Federação Mundial de Saúde Mental com o objetivo de ressaltar a importância de cuidarmos da saúde da nossa mente e promover campanhas preventivas anuais.

Após um ano e meio da pandemia de Covid-19 no Brasil, essa data se faz ainda mais importante pois todos sabemos os impactos individuais e coletivos provocados pelo período de isolamento social: aumento nos números de transtornos, uso de substâncias, a venda de medicamentos e os índices de violência. Os sofrimentos e adoecimentos psíquicos, no entanto, não são um fenômeno recente e precisamos aproveitar a urgência que o tema ganhou durante a pandemia para institucionalizar esse debate a longo prazo. Agindo de forma preventiva, podemos reduzir os danos da pandemia em nossa saúde mental.

Neste Dia Mundial da Saúde Mental, nós, do Instituto Cactus, nos comprometemos mais uma vez com a prevenção de doenças e promoção da saúde mental todos os dias do ano, de forma permanente e contínua. Para aprofundar esse debate, ampliar as práticas de cuidado e construir uma nova cultura sobre saúde mental no Brasil, precisamos conhecer a realidade deste campo e nos basear em informações de qualidade e confiáveis.

Nesse sentido, nosso primeiro grande esforço institucional foi a publicação do levantamento Caminhos em Saúde Mental, desenvolvido em parceria com o Instituto Veredas com o objetivo de oferecer um entendimento amplo e complexo a respeito da saúde mental no Brasil, considerando tanto os consensos produzidos pelos organismos internacionais quanto a própria experiência brasileira, e ouvindo especialistas de diversas áreas: sociologia, gestão pública, medicina e atores do campo. Acreditamos que saúde mental não é um projeto individual com começo, meio e fim, é um projeto coletivo para vida toda e de responsabilidade compartilhada.

Selecionamos 8 dados do levantamento que são muito importantes para você entender como está a pauta da saúde mental no Brasil, quais são os prejuízos de não olhar para isso, informações específicas sobre a saúde mental de adolescentes e mulheres, lacunas de pesquisa e de tratamento, fatores de risco, serviços oferecidos pelo sistema de saúde e alguns caminhos de atuação.

1. Governança e economia:

Conforme a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) Brasil, a saúde mental é uma das áreas mais negligenciadas do sistema de saúde pública mundial, o que impacta diretamente o acesso de milhares de pessoas. É importante destacar que 7 a cada 10 brasileiros são “SUS dependentes”, o que significa que o único acesso à saúde de 70% da população é pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Atualmente, em média, menos de 2% dos orçamentos públicos de saúde são alocados para a atenção pssicosocial globalmente, sendo que a situação é ainda pior em países de baixa e média renda, como o Brasil, em que se gasta menos de 2 dólares por pessoas são destinados à prevenção de doenças e promoção da saúde mental, comparado com um investimento de 50 dólares por pessoa em países de alta renda. Em termos de investimento social privado, apenas 4% do total de 2,5 bilhões de reais de investimento social privado em 2019 foram destinados à saúde e esporte, em uma categoria unificada, bastante abaixo do que seria necessário para intervenções estruturais no campo.

Trabalhar dados e criar indicadores de saúde mental, gerando informação de qualidade e descomplicada, é uma das nossas apostas para otimizar os recursos destinados à atenção psicossocial. Um passo-chave que terá impacto positivo a cuidadores e usuários do sistema de saúde, permitindo que a alocação e uso do orçamento de recursos públicos sejam otimizados, e que os processos decisórios, a qualidade e a efetividade dos serviços públicos de saúde mental sejam aprimorados no país, impactando milhões de usuários.

2. Epidemiologia e carga de doença:

Os números da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a prevalência de transtornos mentais, nem sempre incapacitantes, estimam que, a qualquer momento, cerca de uma em cada cinco pessoas de seus países membros pode apresentar um transtorno mental. Ao longo da vida, entre 40% e 50% experimentam algum tipo de adoecimento leve ou moderado, como de humor e ansiedade, e 5% apresentam transtornos graves.

Os transtornos mentais comuns levam a perdas consideráveis na saúde e no funcionamento. Essas perdas podem ser quantificadas a partir da medição da Carga Global de Doença (Global Burden of Disease), que fornece três estimativas:

  1. Anos Vividos com Incapacidade (Years Lived with Disability – YLDs), que indica a quantidade de saúde perdida devido à doença;
  2. Anos de Vida Perdidos (Years of Life Lost – YLLs), que indica o impacto da doença devido à morte prematura;
  3. Anos de Vida Ajustados por Incapacidade (Disability Adjusted Life Years – DALYs), que é a principal métrica, calculada a partir da combinação de YLDs e YLLs. Em síntese, os DALYs fornecem uma medida composta da mortalidade e incapacidade atribuível a qualquer doença.

Em 2016, os transtornos mentais, neurológicos e por uso de substâncias foram responsáveis por 28% da carga não fatal de doenças ou de anos vividos com desabilidades (YLD), e 10% da carga total de doenças (DALY).

Pessoas com transtornos mentais graves apresentam taxas desproporcionalmente altas de mortalidade na população adulta, que vivem em média 10 a 20 anos a menos do que a população em geral. Esse é principalmente o caso em contextos de baixa e média renda, devido a doenças evitáveis geralmente não serem reconhecidas e tratadas, como as cardiovasculares, respiratórias e infecções. Elas também têm de 2 a 3 ou até 4 vezes mais chances de morrer por causas não naturais como suicídio, homicídio, acidentes e fatores de risco para doenças não transmissíveis.

3. Negligências na adolescência:

A adolescência é um período marcado por transformações psicossociais em que acontece a construção da identidade e existem inúmeras mudanças na anatomia, fisiologia, no ambiente social, na relação com a sexualidade, entre outros. Apesar disso, é um momento invisibilizado e negligenciado, o que gera estigmas e impactos negativos na qualidade de vida dos adolescentes, e que serão carregados até a fase adulta.

Até 50% das condições de saúde mental começam até os 14 anos de idade e afetam 3 a cada 4 pessoas até os 24 anos. Segundo o Ministério da Saúde, em 2013, havia uma taxa de prevalência entre 10% e 12% de condições de saúde mental entre as crianças e adolescentes. No mundo, a estimativa é de que 10% a 20% dos adolescentes experimentam algum tipo de adoecimento psíquico, sendo a depressão um dos principais. Os adolescentes brasileiros sofrem, majoritariamente, de ansiedade (5% – 6%), problemas de comportamento ou conduta (4% – 7%), hiperatividade (1% – 2%) e depressão (1%).

Os estigmas e as consequências de transtornos não tratados impactam a qualidade de vida desses adolescentes por toda a vida, sua habilidade de convívio em comunidade, sua produtividade e suas relações sociais e com o meio ambiente. Esse é o público que, no futuro, serão os líderes da sociedade, cidadãos e agentes de transformação do mundo, por isso precisamos olhar para a saúde mental deles. Veja alguns elementos que melhoram (fatores de proteção) e que agravam (fatores de risco) a saúde mental dos adolescentes:

4. Mulheres:

A prevalência de condições de saúde mental é maior nas mulheres, quando comparadas aos homens, e isso vai muito além da perspectiva biológica. Segundo a OMS, o gênero implica diferentes suscetibilidades e exposições a riscos específicos para a saúde mental, por conta de diferentes processos biológicos e relações sociais. Nascer mulher perpassa papéis, comportamentos, atividades e oportunidades que determinam o que podemos experimentar ao longo da vida e, portanto, estabelece vivências estruturalmente diferentes daquelas experimentadas pelos homens.

Uma em cada cinco mulheres apresenta transtornos mentais comuns e a taxa de depressão é, em média, o dobro da taxa de homens com o mesmo sofrimento, podendo ainda ser mais persistente nas mulheres. A sobrecarga física e mental de trabalho é apontada como um dos principais fatores que deixam as mulheres especialmente vulneráveis aos sofrimentos psicológicos: em mulheres com alta sobrecarga doméstica, por exemplo, o número de mulheres com transtornos mentais comuns vai de 1 a cada 5 mulheres para 1 a cada 2 mulheres.

O acolhimento das mulheres com questões de saúde mental demanda um olhar ampliado para outras questões físicas, psicológicas e sociais relacionadas ao gênero. Nesse ponto do debate, nos deparamos com um desafio importante: a falta de compreensão e a fragmentação nos serviços de saúde. Os profissionais admitem que nos atendimentos, no geral, as mulheres se calam sobre a violência de gênero, ao mesmo tempo em que intensificam a procura por serviços de saúde, sendo estereotipadas como “poliqueixosas”. Arquétipo que, além de prejudicar as estratégias de tratamento, é também uma forma de violência institucional contra mulheres, que muitas vezes enfrentam o estigma no próprio processo de tratamento.

Para cuidar da saúde mental das mulheres, não podemos pensar soluções únicas, que tratem da mesma forma sofrimentos que têm atravessamentos diferentes, precisamos criar processos adequados e propor abordagens específicas para cada público para promover a cultura de promoção e prevenção em saúde mental. Algumas diretrizes para políticas públicas:

5. Lacunas em pesquisa:

Mesmo que a saúde mental represente cerca de um terço da carga global de doenças, os investimentos em pesquisa sobre saúde mental ainda representam muito pouco do valor total investido em saúde. No período de 2002 a 2020 foram financiados 6.461 projetos de pesquisa em saúde, totalizando um investimento de R$1,4 bilhão. Já para a saúde mental, especificamente, no mesmo período houve o financiamento de apenas 249 projetos com R$27 milhões, menos de 2% do total investido na área.

Ao longo do projeto Caminhos em Saúde Mental, foram selecionadas e categorizadas 196 publicações de maior interesse para a saúde mental de adolescentes e mulheres. Para a categorização das publicações, a primeira característica considerada foi justamente a de público-alvo, sendo definidas quatro possibilidades: adolescentes, mulheres, outros grupos específicos e população em geral. A segunda característica está relacionada ao próprio conteúdo, sendo definidos cinco tipos:

  1. Diagnósticos, panoramas e tendências: Publicações que apoiem a construção de diagnósticos (individuais, locais, nacionais e globais), apresentem panoramas ou discutam tendências sociais no campo da saúde mental;
  2. Intervenções: publicações que indicam O QUE deve/pode ser feito no campo da saúde mental, porém sem discutir efetividade de intervenções;
  3. Efetividade de Intervenções: publicações que indicam O QUE deve/pode ser feito no campo da saúde mental e cujo foco seja discutir efetividade das intervenções;
  4. Implementação: publicações que indicam COMO colocar em prática determinadas intervenções no campo da saúde mental;
  5. Reflexão Teórica/Conceitual: publicações que apoiem o entendimento de CONCEITOS importantes no campo da saúde mental, podendo apresentar também teorias.

Mapa de evidências:

Os números em cada célula indicam o número de publicações que se encaixam na categoria indicada. Por exemplo, para o grupo de mulheres, há 10 publicações produzidas no Brasil que ofereciam uma reflexão teórica ou conceitual e 9 publicações internacionais que discutiam a efetividade de intervenções, e assim por diante. Vale ressaltar que, como algumas publicações apresentam mais de um tipo de conteúdo, elas podem ser contadas mais de uma vez ao longo de uma mesma linha (ou público-alvo). Nas colunas da direita, que apresentam os números totais, evitou-se a dupla contagem.

6. Lacunas de tratamento:

Em todo o mundo há uma grande lacuna nos cuidados em saúde mental, seja devido às baixas taxas de detecção ou à priorização dada a estes. Mesmo em países de alta renda, quase 50% das pessoas com depressão não recebem tratamento e apenas uma em cada cinco receberam tratamento minimamente adequado para transtorno depressivo grave.

Para países de baixa e média renda, apenas uma em cada 27 pessoas receberam tratamento minimamente adequado. No ano de 2014, a média de falta de tratamento na Região das Américas e na América Latina e Caribe era de 73% para transtornos afetivos graves (como o transtorno bipolar), de ansiedade e por consumo de substâncias em adultos, 56,9% para esquizofrenia, 73,9% para depressão e 85,1% para uso de álcool (OPAS, 2014).

Aproximadamente 80% dos casos de adoecimentos mentais não são diagnosticados ou tratados adequadamente e, por isso, muitos dos quadros que poderiam ser prevenidos ou recebido intervenções precocemente se agravam e afetam não só o indivíduo, mas todo o seu entorno. Pessoas em sofrimento psíquico em situação de vulnerabilidade têm desafios financeiros e de acesso ao serviço de saúde, sendo sujeitas à discriminação e estigmatização, que tem como consequências:

  • redução da procura por atendimento;
  • desconhecimento sobre sua condição e o tratamento apropriado;
  • decisão entre ficar sem tratamento ou cortar despesas pessoais em outras áreas para receber tratamento prestado por provedores privados, visto que transtornos mentais são frequentemente excluídos de pacotes essenciais de cuidados ou seguros.

7. Fatores de risco e determinantes sociais:

Saúde mental não é apenas uma dimensão individual, dependente de fatores biológicos e psíquicos, é também resultado da complexa interação entre aspectos individuais e as condições de vida das pessoas. Por isso é fundamental trabalhar essa pauta em interface com outras agendas sociais, considerando as interseccionalidades do tema. O direito à alimentação saudável e adequada, à moradia, saneamento básico, trabalho, educação, transporte, lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais são fatores determinantes para a efetivação do direito à saúde mental.

O aumento da exposição a fatores de risco resultou em um aumento de 30% na prevalência global de condições de saúde mental desde 1990. Embora a depressão possa afetar pessoas de todas as idades, o risco de ficar deprimido é aumentado pela pobreza, desemprego, eventos da vida como a morte de um ente querido ou um rompimento de relacionamento, doenças físicas e problemas causados pelo uso prejudicial de álcool e outras drogas.

Violações dos direitos humanos como exploração, violência, abuso, discriminação, condições de vida desfavorável ou falta de acesso à proteção social têm enorme impacto negativo na saúde mental. Ainda assim, as pessoas com desabilidades psicossociais são frequentemente marginalizadas e sujeitas a abusos físicos, sexuais, emocionais e negligência, sendo privadas de tomar decisões por si, sobre seu tratamento, assuntos pessoais, financeiros e até sobre onde morar, impedidas assim de participar plenamente da vida social e comunitária.

8. RAPS e CAPS:

A RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) é responsável por garantir o cuidado transversal das demandas de saúde mental da população, articulando com as demais redes do território. É composta por serviços e equipamentos variados no âmbito do SUS.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços estratégicos e principais articuladores da RAPS e variam de acordo com o porte dos municípios. Nos grandes municípios e regiões de saúde acima de 200 mil habitantes, são previstos CAPS de funcionamento 24h, como os CAPS III voltados para pessoas com sofrimento mental em geral, e os CAPS ad III, destinados principalmente para pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Os CAPSi são direcionados para o público infantojuvenil e podem ser implantados em municípios e regiões a partir de 70 mil habitantes. Para os municípios de médio porte (a partir de 70 mil habitantes), há os CAPS II e CAPS ad, e para os de pequeno porte (a partir de 15 mil habitantes), os CAPS I. Mais recentemente, a esta tipificação foi acrescentado o CAPS ad IV, para municípios com população acima de 500 mil habitantes ou nas capitais de estados.

Os CAPS funcionam com “portas abertas”, ou seja, qualquer pessoa pode ser recebida e avaliada pela equipe de saúde presente, sem a necessidade de um encaminhamento ou agendamento prévio. O cuidado é realizado por meio de uma avaliação inicial, seguida da construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) para cada usuário, seja nos processos de reabilitação psicossocial ou nas situações de crise.

As ações de cuidado são diversificadas, realizadas em grupo, individualmente, com a família ou na comunidade, articulando recursos do território, nos campos do trabalho e economia solidária, habitação, educação, cultura e saúde. Dados de 2013 do Ministério da Saúde apontavam a existência de um mapeamento de 1.008 iniciativas de geração de trabalho e renda espalhados pelo país, sendo 177 delas no estado de São Paulo.

Caminhos em Saúde Mental

O documento orientador Promovendo Saúde Mental, elaborado pela OMS para superar as barreiras nesse campo, apresenta tanto estratégias gerais como específicas para países de baixa renda. Já o Plano de Ação de Saúde Mental de 2013, também da OMS, apresenta propostas a serem realizadas por governos e por parceiros internacionais e nacionais da sociedade civil – organizações de pessoas com desabilidades psicossociais, usuários de serviços, familiares, cuidadores, profissionais de saúde, prestadores de serviço, organizações de saúde mental, ONGs de base comunitária de direitos humanos e redes de desenvolvimento e saúde mental.

Algumas possibilidades de atuação para as organizações não-governamentais, sugeridas pela OMS:

  • Combater a exclusão social e aprimorar o apoio da comunidade.
  • Apoiar os programas existentes ou estabelecer novos programas para que as pessoas com transtornos mentais tenham: oportunidades de educação continuada, desenvolvimento de habilidades, apoio em encontrar trabalho adequado e fornecimento de suporte no trabalho.
  • Explorar meios para fornecer apoio financeiro e moradia acessível e segura para pessoas com transtornos mentais graves.
  • Aumentar o acesso aos cuidados na comunidade por meio de programas de apoio entre pares e de apoio à família.
  • Iniciar atividades de redução de estigma, como as que se concentram em melhorar o contato social e a participação na vida profissional, comunitária e em assuntos cívicos.

A partir de diferentes documentos de organizações internacionais, as estratégias de atuação foram agrupadas em categorias amplas, levando à identificação de sete tipos diferentes:

>> Para conhecer mais detalhes de cada uma dessas categorias de atuação, baixe o levantamento Caminhos em Saúde Mental e confira o capítulo 4 (Estratégias de atuação em saúde mental).

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