Como fica a saúde mental no novo modelo de financiamento e organização da Atenção Primária à Saúde

por Instituto Cactus

31 de maio de 2024

5 min de leitura

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Nos últimos anos, houve uma transformação significativa no financiamento e na organização da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil, impulsionada por necessidades de otimização de recursos e melhoria da eficácia dos serviços oferecidos à população. Em abril de 2024, o Ministério da Saúde anunciou um novo modelo de financiamento para as políticas que compõem a APS, baseado em resultados e desempenho (portaria GM/MS n.º 3.493).

A nova dinâmica altera a maneira como os recursos são alocados e geridos, com expectativa de promover uma melhoria geral na qualidade dos cuidados de saúde primários. Contudo, grandes desafios ainda persistem, particularmente os relacionados à questão crucial da saúde mental. A falta de inclusão de indicadores que abranjam aspectos relevantes sobre o tema é um sinal de alerta significativo, pois impede uma avaliação precisa de avanços ou retrocessos neste campo essencial da saúde.

Nós, do Instituto Cactus, acreditamos que a atenção básica constitui um espaço fundamental de acolhimento em saúde mental por se tratar do primeiro contato que a população tem com o sistema de saúde. Nesse contexto, apresentamos abaixo um panorama sobre o novo modelo de financiamento e os desafios relacionados à saúde mental.

Leia também no nosso blog: Os serviços de saúde mental no Brasil

Financiamento da Atenção Primária à Saúde: antes X depois

Anteriormente, o financiamento da APS, conhecido como programa Previne Brasil (2019), baseava-se principalmente em um modelo de repasse de recursos baseado em três eixos: captação ponderada (cadastro de pessoas), pagamento por desempenho (indicadores de saúde) e incentivo para ações estratégicas (credenciamentos/adesão a programas e ações do Ministério da Saúde). Apesar das contribuições do modelo no que se refere a incorporação de indicadores de saúde, havia uma distância muito grande entre a realidade dos municípios e as metas de repasse de recursos. Em muitos casos, essa abordagem resultou em uma cobertura desigual e na falta de incentivos para a melhoria das práticas de saúde, incluindo as relacionadas à saúde mental.

Agora, a nova organização do cofinanciamento federal para a APS organiza os repasses considerando outros três elementos. Primeiro, o componente fixo por equipe. Em segundo, incentivar o vínculo e acompanhamento territorial por meio da expansão da Estratégia da Saúde da Família. O terceiro elemento visa aprofundar os indicadores de qualidade e indução de boas práticas já previstos no Previne Brasil — esses indicadores ainda precisam ser pactuados entre os entes federativos. O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e o porte populacional (IBGE) também serão empregados para orientar os recursos e reduzir distorções de acesso aos serviços de saúde. Apesar de algumas indefinições, o novo modelo tem o potencial de reduzir as desigualdades no sistema de saúde, aumentar o acesso e qualificar a oferta dos serviços da atenção primária e reforçar o cuidado integral dos usuários. 

Sinal de alerta: falta de indicadores de qualidade vinculados à saúde mental

Um desafio persistente nas políticas públicas de saúde é a invisibilidade da saúde mental, reforçada pela inexistência dos indicadores de qualidade diretamente voltados à saúde mental.

Vamos usar como exemplo a saúde mental de meninas e mulheres, segmento demográfico com maior prevalência de condições como depressão e ansiedade. No novo modelo de financiamento da APS, um bom indicador de saúde mental poderia ser a taxa de detecção e cuidado eficaz dessas condições. Estes indicadores não só ajudariam a garantir um acompanhamento mais específico e personalizado, mas também contribuiriam para políticas públicas eficazes e direcionadas

Em vez disso, com os indicadores atuais, conseguimos apenas acompanhar alguns fatores de risco que são utilizados como proxy de saúde mental, mas que estão longe de representar sua integridade. Por exemplo: medindo em quais municípios houve redução de casos de gravidez na adolescência ou de atendimentos relacionados à violência doméstica, podemos pressupor uma melhora na saúde mental das meninas e mulheres. Porém, indicadores mais diretos poderiam incentivar medidas mais efetivas de cuidados à saúde mental desses grupos.

A implementação de indicadores de qualidade em saúde mental na APS é crucial por diversas razões, principalmente para:

  • Fornecer dados mensuráveis ​​que podem ser utilizados para aprimorar continuamente os serviços de saúde mental, ajustando-os conforme as necessidades detectadas;
  • Permitir uma alocação eficiente de recursos, direcionando-os para áreas que demonstrem maior urgência de intervenção;
  • Ajudar a sensibilizar toda a sociedade sobre a importância da saúde mental, contribuindo para a redução do estigma associado a estas doenças.

A transformação em curso no modelo de financiamento da APS, focada em equidade, cuidado integral, universalização e qualidade, apresenta uma oportunidade única de redefinir como a saúde mental é tratada dentro do sistema de saúde pública no Brasil. A criação e inclusão de indicadores específicos para a saúde mental não apenas alinhará o Brasil à prática globais, mas também oferecerá uma base sólida para a conquista de um sistema de saúde mais responsivo e inclusivo. Portanto, é vital que os gestores públicos, os profissionais da saúde e a sociedade civil trabalhem conjuntamente para garantir que a saúde mental receba a atenção necessária no novo cenário da APS, destacando-se como um pilar fundamental para o bem-estar.

Para ajudar na compreensão do estado de saúde da população e planejar e monitorar o impacto de intervenções, o Instituto Cactus, em parceria com a AtlasIntel, realiza o Panorama da Saúde Mental. Clique para conhecer essa ferramenta de monitoramento para coletar dados sobre a saúde mental, de forma constante e periódica.

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